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Fatores Psicossociais na incapacidade para o trabalho
A identificação dos fatores psicossociais que contribuem para a capacidade laboral é um passo importante para a prevenção da incapacidade e para o retorno e permanência no trabalho. Elementos diversos, de origem psicológica e/ou social, podem gerar manifestações psicológicas, sociais e físicas (Jacinto e Tolfo, 2017) que influenciam as condições de saúde e as possibilidades de recuperação de uma enfermidade.
Na década de 80 do século XX, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiram os fatores psicossociais como uma interação dinâmica entre características individuais, aspectos do ambiente de trabalho e variáveis sociais, culturais e políticas que podem afetar a saúde, o desempenho e a satisfação no trabalho.
Nesse contexto, os fatores individuais estão relacionados aos aspectos biológicos, comportamentais, psicológicos e relacionais – com a família, amigos, colegas de trabalho, etc – do trabalhador. Fundamentalmente, representam suas capacidades e limitações, percepções e experiências, habilidades e necessidades no que se refere a todo o ambiente social que o circula e que direta ou indiretamente afeta o trabalho. É importante ter em mente que eles não são estáticos, podendo, portanto, mudar com o tempo, já que sofrem influência do meio externo e se adaptam à diferentes contextos.
De acordo com Bultmann e Brower (2013), estes fatores podem ser divididos em quatro categorias: a) atitudes e crenças; b) comportamento; c) resposta emocional; e, d) suporte social. As atitudes e crenças estão relacionadas às expectativas sobre a recuperação, o receio de sentir dor ou de se lesionar e o nível de autoeficácia do trabalhador com relação à recuperação e retorno ao trabalho. O comportamento está ligado às habilidades de enfrentamento de um adoecimento prolongado, por exemplo, e às estratégias para mitigação do medo. A resposta emocional está relacionada à angústia, ansiedade e depressão. Por fim, o suporte social, se refere a percepção que o indivíduo tem sobre a disponibilidade de assistência de outras pessoas e sobre a participação em uma rede de apoio.
No ambiente de trabalho, os fatores individuais interagem com os organizacionais, como por exemplo: os da tarefa em si, as condições físicas do local de trabalho, a qualidade das relações estabelecidas entre os trabalhadores e entre eles e os líderes, a cultura organizacional, etc. Além desses, há também os elementos externos à organização cujo alcance gerencial a empresa não possui mas que geram repercussão internamente. Nesse sentido, é preciso estar atento, identificando tendências e suas possíveis conseqüências psicossociais para prevenir efeitos indesejados.
Em interação, os fatores psicossociais individuais e organizacionais tanto podem atuar como facilitadores na melhora da capacidade produtiva, quanto como obstáculos para a manutenção da capacidade. São considerados facilitadores quando contribuem para o bom desenvolvimento da atividade laboral e favorecem a qualidade de vida, as relações no trabalho e a produtividade. Nesse caso, cria-se uma sensação de domínio e autoconfiança, com aumento da motivação, da capacidade de trabalho, da satisfação e de aspectos da saúde (OIT, 1984). Por outro lado, se transformam em obstáculos quando têm o potencial de causar danos psicológicos – distúrbios emocionais, comportamentais e doenças mentais -, físicos - alterações bioquímicas e neuro-hormonais - e/ou sociais (Álvarez, 2012, citado em Jacinto e Tolfo, 2017). Pode-se esperar, também, efeitos negativos na satisfação com o trabalho e no desempenho.
Um caminho para prevenir os efeitos dos fatores psicossociais indesejáveis, como a perda da capacidade laboral, e fortalecer os desejáveis, como a diminuição das ausências prolongadas e o retorno sustentável ao trabalho, é identificar as quatro dimensões das variáveis organizacionais em que é possível atuar (Shaw, Kristman e Vézina, 2013). São elas: a) demandas físicas do trabalho; b) demandas psicossociais do trabalho; c) organização do trabalho e suporte; e, d) crenças e atitudes do trabalhador com relação ao trabalho.
A dimensão “demanda física” consiste em tarefas com alta repetição de movimentos, utilização excessiva de grupos musculares específicos e postura estática por longos períodos, por exemplo. Quando, ao realizar as atividades que requerem esforço físico ou em retorno ao trabalho, o trabalhador preocupa-se com um possível aumento da dor, teme se lesionar novamente ou se sente incapaz de realizar suas tarefas, mesmo que modificadas, o grau da incapacidade aumenta.
Já a dimensão “demandas psicossociais” se refere às exigências cognitivas e emocionais que o trabalho pode exercer e os conseqüentes impactos sobre as tarefas. Shaw, Kristman e Vézina (2013) e Jacinto e Tolfo (2017) descrevem alguns modelos explicativos interessantes para a compreensão da relação entre os fatores organizacionais e as respostas individuais dos trabalhadores. Dentre eles destaca-se o de Karasek, sugerindo que o estresse laboral é fruto da interação entre as demandas que o trabalhador estabelece para o próprio trabalho e o nível de controle - como autoridade e espaço para tomada de decisão, por exemplo - fornecido a ele. No âmbito da prevenção da incapacidade, a ausência total de controle sobre a tarefa pode afetar a habilidade do trabalhador de gerir os sintomas e de reduzir as limitações funcionais no trabalho.
A terceira dimensão “organização do trabalho” e suporte inclui o modo como a empresa pode se estruturar internamente para oferecer um ambiente de respeito e de suporte, não apenas em termos de práticas organizacionais mas também na vivência de relacionamentos de qualidade entre colegas de trabalho e entre trabalhadores e líderes. Já se reconhece que o suporte social diminui a incapacidade para o trabalho, atuando como um fator mediador entre as características organizacionais e as de saúde do trabalhador. Outros fatores-chave de importância são a oferta de trabalho adaptado, não apenas para quem retorna ao trabalho após um período de afastamento mas para quem já dá sinais de adoecimento e a promoção de atenção aos aspectos relacionados a saúde do trabalhador, como garantias de acessibilidade física, por exemplo.
A última dimensão, chamada de “crenças e atitudes do trabalhador com relação ao trabalho”, destaca a satisfação com o trabalho como um fator protetivo, facilitando um precoce, saudável e sustentável retorno ao trabalho. Atuando na contramão dos limites funcionais, satisfação com o trabalho estaria relacionada à identificação dos ganhos de retornar a uma atividade gratificante, apesar dos desafios impostos no momento de retorno. Outros elementos como sentimentos negativos relacionados ao trabalho, baixo orgulho ocupacional e problemas no trabalho estão relacionados à manifestação da incapacidade.
Essas quatro dimensões ilustram como a natureza dos fatores psicossociais organizacionais é complexa, o que exige uma gestão dedicada não apenas à identificação mas também à intervenção. Para tanto, torna-se obrigatório desenvolver práticas que atuem sobre os aspectos organizacionais e também sobre as variáveis individuais que estão em interação com variáveis do contexto. Desse modo, as soluções pensadas trarão resultados positivos no nível do indivíduo, no nível do ambiente de trabalho e no nível social, tendo como efeito indireto a promoção de um bem-estar social para a população em geral.
Autores
Ana Cássia Baião de Miranda
Fisioterapeuta | Professora credenciada da Escola SESI de Gestão em SST | Consultor credenciado do Centro de Inovação do SESI em Prevenção da Incapacidade
Icleia Santos Dorea Soares
Psicóloga e mestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho (UFBA | Consultor credenciado do Centro de Inovação do SESI em Prevenção da Incapacidade). | Professora da Escola SESI de Gestão em SST
Lívia Maria Aragão de Almeida Lacerda
Coordenadora do Centro de Inovação em Prevenção de Incapacidade do Serviço Social da Indústria (SESI) | Professora da Escola SESI de Gestão em SST | Médica | Epidemiologista | Mestre em Planejamento e Gestão da Saúde pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBa.
Newton A. Novis Figueiredo
Médico do trabalho | Professor credenciado da Escola SESI de Gestão em SST | Consultor credenciado do Centro de Inovação do SESI em Prevenção da Incapacidade
REFERÊNCIAS
BÜLTMANN, U.; BROWER S.; Individual-level psychosocial factors and work disability prevention. In: Handbook of Work Disability: prevention and management. Chapter 10, p. 149-162. Springer, New York, 2013.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANISATION.; Psychosocial factors at work: recognition and control. Report of the Joint ILO/ WHO Committee on Occupational Health. Ninth Session, Geneva, 18-24 September, 1984. Geneva; 1986. (Occupational Safety and Health Series, 56). Disponível em: http://www.ilo.org/public/libdoc/ ilo/1986/86B09_301_engl.pdf
JACINTO, A. TOLFO, S. DA R.: Riscos psicossociais no trabalho: conceitos, variáveis e instrumentos de pesquisa. Perspectivas Em Psicologia, 2017.
SHAW, W. S.; KRISTMAN, V. L.; VÉZINA, N.; Workplace issues. In: Handbook of Work Disability: prevention and management. Chapter 11, p. 163-182. Springer, New York, 2013.
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